Eu sempre tentei me acostumar com a ideia de que eu viveria pra sempre sozinha, no sentido de que nunca formaria um casal, sabe? Desde novinha, aos 14 anos de idade, eu dizia que não me casaria. Não sei se porque eu cresci em meio a um casamento completamente falido, não sei se porque eu realmente não tinha essa vontade, não sei. Eu não queria nem mesmo namorar.
Nessa idade, eu tinha um grande amigo, nós tínhamos o costume de nos abraçar por momentos que pareciam intermináveis, ele cantava pra mim e eu gostava de sentir o perfume dele. Nós éramos duas pessoas inocentes, curtindo um ao outro. Claro que chegou uma hora em que ele me pediu em namoro e eu, por não saber do que se tratava se apaixonar a ponto de querer namorar, achei que aquele grande carinho que eu sentia por ele e aquela vontade enorme de permanecer abraçada, ouvindo ele cantar ou aquela vontade de chegar em casa logo pra receber as ligações dele fosse paixão a ponto de querer namorar. Então começamos a namorar, mas, então, tudo ficou muito forçado, do tipo eu tenho que andar de mãos dadas com ele, eu tenho que sentar ao lado dele na igreja, eu tenho que ir ao cinema com ele, eu tenho que beijá-lo, eu tenho que dar mais atenção a ele que aos outros amigos. E eu não queria aquilo pra minha vida, aquela obrigação. Era legal quando tudo era espontâneo. Em umas 2 semanas de namoro eu já havia decidido que não queria mais namorar, mas não sabia como dizer isso pra ele porque, afinal, eu gostava muito dele, mas era só amizade o que eu queria e ele, não. Então dei o meu jeito bobo de quem não sabe enfrentar os problemas de frente de resolver o caso: eu estava de férias e viajei pra casa da minha avó e não voltei até o retorno das aulas na escola, não liguei, não dei sinal de vida, sumi. Depois de um tempo, ele me ligou, perguntando se eu, por acaso, não queria mais namorá-lo. Eu disse que não. Eu não queria ser má, eu só era uma menina acuada com medo das obrigações que a vida estava me impondo, talvez, eu só quisesse fugir daquele ter que. Nós convivíamos tanto na igreja quanto na escola e eu via, de longe, o sofrimento dele. Eu me afastei do meu melhor amigo e eu também sofri de longe, mas, por algum motivo, eu queria mesmo era me afastar daquela situação e eu, hoje em dia, me arrependo muito de ter feito tudo daquele jeito bobo e feio. Ele nunca deixou de ser meu amigo e eu o considero um dos meus melhores amigos, é ele quem sempre me salva quando meu coração está quebrado, ele não precisa dizer nada, ele só precisa estar presente.
Eu não era nada boa em expressar sentimentos, eu era muito fechada, desde que nasci. Ninguém sabia o que se passava dentro de mim. Eu não gostava de ser assim, mas era desse jeito que eu sabia ser.
Com o tempo, fui aprendendo, com meus amigos e amigas, que era legal abrir o coração, deixar as pessoas queridas saberem o que se passava dentro de mim. Mas não era uma atividade fácil, tudo aconteceu muito aos poucos.
Aos 18 anos, eu fiz uma outra amizade intensa com um garoto, amigo de um amigo. Foi tudo muito rápido, na segunda vez que eu o vi, ele já dirigiu meu carro e levou a mim e minhas amigas e amigos a uma festa de aniversário numa chácara. Ele era todo descolado, tinha um black power e usava uma faixinha de cabelo, tinha um casaco da colcci azul claro e um tênis adidas com listras e aquelas listras faziam toda a diferença naquela época. Eu gostei muito do jeito que ele se vestia, era diferente e eu adorava tudo que era diferente. Ele tinha terminado o namoro e eu fui dar uma de amiga que aconselha e era só isso mesmo que eu queria ser, eu nem sentia vontade de namorá-lo (nessa época eu não ficava com ninguém, então a única possibilidade, pra mim, era o namoro), só que, com aquela intensidade toda e por não saber ainda como era exatamente gostar de alguém a ponto de querer namorar, eu acabei achando que estava mesmo gostando dele. Decidi que não queria guardar aquilo pra mim como fizera a vida toda, então abri o bico: estou a fim de você e aí? O que você tem a me dizer? Ele foi embora. Passamos uns dois dias sem nos falar, coisa que costumávamos fazer todos os dias. Depois ele me pediu em namoro. Pronto, eu estava namorando e achava aquilo estranho. De novo as obrigações, mas, dessa vez, eu gostei. Estranhei, mas gostei.
Eu ainda era muito fechada e não demonstrava muita coisa, eu gostava dele e eu achava que o que eu fazia era coisa de quem estava se jogando de cabeça, mas ele, super expert em namoros, dizia que eu era uma geladeira. O problema maior do nosso namoro foi a minha frieza e eu não consegui ser diferente. Então o namoro acabou e, quando eu percebi que tinha acabado mesmo, o meu mundo perdeu todo o sentido. Lembro-me de acordar, no dia 16/11/2004, dia do meu aniversário, dizendo que eu não queria receber nenhum parabéns, nenhum feliz aniversário porque a felicidade era algo que estava completamente distante de mim. Eu estava de luto e queria vivê-lo. Minha mãe teve que me levar à psicóloga porque ela nunca havia me visto naquele estado de depressão. Ali, naquele consultório, eu disse sobre como o meu coração estava arrasado porque eu tinha criado na minha mente todo um mundo fantasioso em que eu e ele nos casaríamos um dia, mas esse mundo estava desfeito, destruído. Lembro-me de sonhar com a minha casa sem muros e um monte de gente roubando tudo de dentro dela, inclusive paredes e estruturas. Meu mundo fantasioso tinha sido roubado. Mas aquela psicóloga me fez acreditar que essa tal fantasia de me casar com aquele cara poderia ser verdadeira, que era só uma breve separação para nos preparar para isso, talvez e eu saí de lá acreditando nisso, eu tinha que me agarrar a alguma coisa para conseguir viver. Mas, alguns dias depois, a irmãzinha dele me falou que ele estava namorando uma garota que, também, dançava. E depois a irmã mais velha dele me disse que ele iria se casar. Pronto, nesse dia, o mundo parou e foi como se uma pedra enooorme tivesse caído em cima de mim. O meu futuro marido se casaria com outra, a quem ele tinha engravidado. Eu fui ao casamento, eu queria ver com meus olhos pra não deixar nenhuma dúvida para a minha mente fantasiosa de que eu nunca me casaria com ele. Nessa época, eu era uma menina tão bacana, tão crente na vida, nas coisas boas e o mundo só conseguiu me oferecer coisas ruins, eu sofri muito. Eu estava revoltada com a vida.
Eu sempre tinha sido só e independente, no sentido de não ter namorados e vivi super bem com isso, mas, depois que ele apareceu em minha vida, ele passou a cuidar de mim, não me deixava voltar pra casa de ônibus à noite, fazia questão de me levar em casa, ele me acostumou a precisar de alguém, ele me ensinou a precisar de alguém que cuidasse de mim e depois ele foi embora. Foi um choque enorme ter que voltar a andar de ônibus, às 11 da noite, naquelas ruas escuras e perigosas sozinha. Depois que você se acostuma com o bom é muito difícil voltar a se acostumar com o ruim. E, antes dele, aquilo não era ruim, era só a minha vida mesmo.
Eu fechei meu coração, nessa época. Lembro-me das viradas de ano em que eu ia pra igreja e via todo mundo feliz e eu só fazia uma única oração dentro de mim: Deus, eu quero voltar a ser feliz, mesmo sem aquele cara por perto. Eu queria que o ano começasse e, junto com ele, que a antiga Renata independente e sem paixões voltasse a existir. Mas há caminhos para os quais não há volta. Ou a volta pode ser bem demorada.
O tempo passou e eu não aguentei esperar, eu não tive paciência, eu fui afobada e me desfiz dos meus ideais todos, eu joguei fora todos os meus padrões de comportamentos, eu neguei tudo o que eu tinha aprendido até então e fui me apresentar toda vazia a um mundo perdido. Eu me perdi junto com esse mundo. Eu aprendi a desvalorizar tudo que, antes, era valorizado por mim. Eu aprendi a não dar importância a sentimentos, a pessoas. Tornei-me uma pessoa bagunçada. Quando eu gostava de alguém, eu fazia questão de estragar tudo, era até meio inconsciente, eu demonstrava o oposto do que eu sentia. Eu pensava, no meu inconsciente, que ninguém mais iria me enganar, porque eu enganaria a todos antes. Eu sabia que um dia teria de lidar com as consequências de tudo isso, mas eu só queria viver aquele meu agora. Ninguém percebeu que aquilo era desespero de uma alma toda rasgada em dor. Eu fingi não ter mais alma, muito menos coração.
Acontece que a vida faz questão de nos trazer de volta a nós mesmos, graças a Deus! Ela cuida de nós mesmo quando somos filhos rebeldes. O amor de Deus permanece e é ainda mais intenso quando nós menos o merecemos. É lindo isso, né?
Foi em meio a esses meus caminhos tortuosos que conheci o amor. Eu pensei que nunca seria apresentada a ele, eu já tinha até me acostumado com a ideia de que viveria sem ele pra sempre. Mas a vida me achou digna de conhecê-lo! Hoje ele faz parte de mim, ele conseguiu me trazer de volta a mim, às minhas verdades, a tudo o que eu neguei nos meus descaminhos. Eu ainda estou aprendendo a lidar com ele e ele me assusta às vezes, mas foi ele que me reapresentou à minha felicidade plena.
É tudo muito difícil, eu tento fugir dele, crio muitas razões para ir embora, mas tudo o que eu fiz até agora foi fugir e eu preciso e eu quero encarar o amor de frente com todas as dores e dificuldades e sofrimentos inerentes a ele. Porque o amor é lindo e me faz a pessoa mais feliz do mundo, mas ele tem o seu lado sofredor também. E eu quero aceitá-lo por inteiro. O amor nos faz parecer idiotas, mas é isso mesmo, está tudo certo e no lugar porque ele está nos ensinando a nos desapegar do orgulho e da soberba. O amor nos faz mudar conceitos que carregamos durante uma vida inteira. Ele muda tudo quando ele acontece. E eu estou aberta às mudanças que ele quer causar em mim.
Quem está de fora não pode entender isso e quando dou ouvidos ao externo do amor, minha visão fica turva e eu perco o foco. Isso parece muito louco, mas o amor é louco. Ele não é explicável. Ele existe. Eu posso prová-lo, ele existe porque há um ambiente propício, nesse sentido ele é explicável, mas o total dele é loucura, é bagunça e é por isso que eu gosto tanto de vivê-lo: ele não é comum, nem banal, mas é excêntrico, exótico, coerente em meio a suas aparentes incoerências.
Hoje eu sofro as consequências do meu passado sombrio, este abala as estruturas da confiança no meu amor, mas eu quero construir meu prédio do amor em bases firmes, quero reconstruir desde as estruturas para que o amor se sustente. Não é nada fácil, mas eis-me aqui, amor. Eu não fugirei de você mais, eu vou te encarar.
Às vezes, a gente olha pra uma pessoa sem desconfiar das histórias dela, carregadas de dores e sofrimentos e traumas e medos. Em sua superfície, só encontramos as alegrias, mas é com o tempo, quando ela nos deixa mergulhar em suas profundidades, que conhecemos seus lamaçais e até a entendemos melhor. Penso que são esses lamaçais que cavam o caminho da felicidade plena, quem sabe.