Subi as escadas num súbito desejo de chegar logo em casa. As sacolas que eu segurava pesavam meus braços, impedindo-me de subir mais rápido. Eu queria tanto chegar em casa e fechar a porta e me esconder do mundo.
Após esse meu ritual de reclusão, fui até a cozinha: louças sujas por toda a parte, lixo jogado em todos os cantos, frutas podres dentro da fruteira. Aquele era tão exatamente o retrato da minha alma que comecei a chorar ali mesmo, um choro de muita lágrima e gemido, choro-com-vontade-de-arrancar aquele nó que enforcava meu pescoço e me deixava sem fôlego.
E o nó afrouxou, mas isso só me fez chorar mais, soluçar, gemer. Eu precisava chorar o choro de meses guardado em mim.
A Bruna Caram está cantando agora, mas nem isso me tirou a vontade da falta de vontade. Porque uma coisa puxa a outra e quando se percebe há o escuro, o vazio e o silêncio. Só.
Não quero mais o que é unitário. Quero o dobro disso. Quero o dois e não quero nada ao mesmo tempo.
Ai, Bruna, você canta e sorri com tanta leveza que me faz pensar que tudo é tão feliz. Mas agora não é. Agora é tudo barata, esgoto e podridão.
Amanhã a Jô vem limpar o apartamento. Ela faz milagres. Fica tudo limpo e no lugar. Por outro lado, não há quem limpe e organize a minha alma. Deveria ser eu. Deveria ser eu. De-ve-ri-a ser eu! E não dou conta do recado.